domingo, 11 de julho de 2010

Andar no vazio.










Choque cultural.

Quantas vezes ouvi esta expressão antes de vir para cá. De facto, todos nós ouvimos a dada altura alguém a comentar: "...choque cultural...".Passa despercebido, invocando um conceito estranho do qual a maior parte de nós não digna a envolver em sua mente mais do que o superficial. O mesmo aconteceu comigo, até experimentar na pele o impacto de 2 toneladas de um.
Imaginem um corredor.

Um corredor rectilinio e de tecto alto, sem janelas, que vos leva exactamente 100 passos a atravessar. Todos os dias andamos de olhos fechados por esse corredor, e eventualmente o caminho é imprimido em nossa memória primordial, subconsciente, muscular quase. No 8395º dia do nosso caminho, ao andar pelo corredor, passo ante passo, passo ante passo, e sem qualquer outro tipo de aviso,




Encontramo-nos com uma parede.

Se conseguirem imaginar esta sensação, então podem imaginar o que é que "choque cultural" realmente quer dizer, e de como foi a sensação de saber que afinal tinha estado este tempo todo vendado, olhando para as tudo pela primeira vez.




Por propósitos de curiosidade, vou dar-vos alguns exemplos hoje.



Primeiro foi o calor: Tokyo encontra-se na estação da chuva, o que quer dizer duas coisas: humidades incriveis e claro, chuva. De facto, a parte da chuva nem é o problema; na sua maior parte, o céu apenas está nublado, além de que para mim toda a pequena dose de chuva é bem vinda com o calor que está. Toda a cidade é uma grande sauna, pavimentada com ar condicionado e ventoinhas que permitem algum tipo de conforto.


As pessoas seguem-se: dizer que os japonese são educados é o mesmo que dizer que o Cristiano Ronaldo dá uns toques. Para entrar no expresso do aeroporto para o centro, 3 japoneses com luvas carregam minhas malas cuidadosamente, e quando o autocarro parte fazem todos uma vénia pronunciada para as pessoas sentadas dentro do autocarro. O crime é quase inexistente: um colega francês do trabalho diz-me que perdeu a sua máquina e dois dias depois estava no mesmo sitio. No supermercado não existem barreiras que impessam as pessoas de sair, e o carrinhos não precisam de moeda. Crianças pequenas andam e brincam na rua sem problemas.

Não me lembro da última vez que vi crianças a brincar na rua tão descontraídamente, excepto na minha infância. Ninguém com quem falei até agora sequer viu um crime, droga ou sacou algo ilegal da net. Incrivelmente humildes e simpáticos, num estado de quase-inocência, disciplina e interesse; mas de um inglês terrível. Claro que já encontrei gente com um inglês perfeito, mas é raro.



É-me dificil saber prever os comportamentos de japoneses, mas todos os dias tenho surpresas agradáveis com eles. Por vezes sinto-me como numa variante da Máquina do tempo de Wells, ou algo assim, onde fui para a um lugar escondido onde nada de mau acontece e as pessoas são todas correctas umas para as outras. É claro que sei que isto não é totalmente verdade, mas é um pouco, e só um pouco, apenas um pouco já basta por vezes.





Comunicação.

O meu maior problema aqui, e acreditem que não existe um dia em que não receba vários elogios pelo meu Japonês de toda a gente, mesmo da mesma pessoa multiplas vezes; pensei que estaria mal preparado, mas a verdade é que depois de conhecer o resto dos outros estagiários aqui as coisas podiam estar piores. A larga maioria não diz mais de obrigado e bom dia, e só isso já é difícil. De facto, apenas um belga que estuda japonês na escola muitos anos e já teve muitas vezes aqui é que fala algo de jeito, de resto apenas um par de palavras. Dái que os japoneses fiquem incrivelmente impressionados comigo e se espantem quando começo a falar. Na verdade tenho o vocabulário de uma criança de 1, 1,5 anos, e penso que apenas estão a ser educados, mas não me importo, aceito um elogio de onde vier. Além disso, entre o meu japonês e o inglês deles, comunicamos. A parte disto, sou um completo analfabeto.



O supermercado parece algo de um livro de ficção científica, com artigos que bem poderiam ser de uma galáxia, que precisaria de imensos conhecimentos de xenolinguistica apra compreender. Operar a máquina de lavar e secar demorou um dia de testes; o computador vai por instinto, e esperar que a janela que aparece com o ponto de exclamação quira dizer "GRAVAR (Y) (N)" em vez de "APAGAR (Y) (N) .






Progresso é muito, muito lento.

Mas presente.










Até.

2 comentários:

  1. Hoje fizemos um jogo de squash em tua honra :P

    Btw, o Ryuichi Sakamoto está em tour, do yourself a favor and don't miss out

    ResponderEliminar
  2. Penso que, em qualquer sitio onde estejamos, se tentarmos falar como os indigenas, há sempre subentendida uma troca reciproca de respeito. Diga-se de passagem que até os japoneses consideram a sua lingua, um algo dificil. É uma carrada de hiraganas, katakanas e outro que nem me lembro, que têm de aprender desde a mais tenra das idades. Quando demonstras, mesmo só para parecer simpatico, que falas um pouco da lingua, eles sabem que, mesmo sendo turista, dás interesse a uma coisa que é deles e que nunca esperariam que dominasses (ha sempre um sotaque que para eles ou para nós, nos parece completamente estranho). Acho que o maior elogio que podemos dar a um povo é tentar falar como eles... let's face it: se me viesse um espanhol falar português comigo, eu ia ficar mesmo surpreendido, e com certeza, dava mais valor a esse espanhol, pois a maior parte deles não se digna a mudar o seu idioma. E se não soubermos o que eles querem dizer, falam em ingles ou mais devagar(algo que nao ajuda em quase nada). E quando vou a Espanha tb tenho que mudar o meu idioma para espanhol, so porque nem ingles eles querem falar (nunca vi a tal troca de respeito de que te falava ha pouco).
    Gosto de pensar que se mostramos respeito, esse respeito é-nos devolvido da mesma maneira. Há casos e casos, mas agrada-me saber que a ti, dão-te valor por tentares. :D

    A vida é uma aprendizagem, rapaz! E com certeza, haverá alguem que te ajude com isso (gravar/apagar) na empresa.

    Muitos Abraços!

    ResponderEliminar