domingo, 28 de novembro de 2010

Chamo-o de Saudade.
































Oito da manhã.


Tinha conseguido apanhar o comboio expresso mesmo à justa para estar em Hakone pelas 10h, esperando estar ao pé do lago Ashi pelo meio dia. Hakone situa-se ao oeste de Tokyo, aninhada entre montes e riachos e com o lago Ashi no centro; nada mais que o espelho no qual o Monte Fuji se contempla.
Chegamos na primeira estação e o cheirinho de pães e bolinhos frescos obriga-nos a parar para comer algo. De dentro do café, virado para a janela observo como os montes nos envolvem com uma sensação familiar para mim; um sentimento de serem alguém que se levanta, observando o redor, vigilante. Sinto-me cuidado assim. É tranquilizador, e ao mesmo tempo o manto dourado real e vermelho que tudo cobre revela a majestade de um Outono cada vez mais profundo. Ergue-se de mim um pequeno suspiro, e permito-me um pouco de entusiamo infantil que me desenha um sorriso sem razão que sinto subir lentamente.

Apanhamos um autocarro até ao lago que demorou mais do que pensava, tanto que pensava que estavamos no errado, indo cada vez mais longe através dos montes. Mas felizmente chegamos junto ao lago por volta das 12. Mal chegamos um trovão solitário fez-se sentir. Estava sol, mas começava a ficar forrado. Felizmente ainda conseguimos passear um pouco ao redor do lago, ver o templo e o portão vermelho com palavras de paz seladas que se ergue monumentalmente do lago. Antes, antes daquilo que o trovão anunciava. Granizo. Pequenas pedritas misturadas com a chuva, sem grandes problemas excepto que nos molhou todos. Gelados e de pés empapados decidimos procurar a única coisa que podia nos salvar: um onsen, banhos nascentes naturais de água aquecida geotérmicamente, aperfeiçoadas até a perfeição pelos japoneses em piscinas naturais, qual jacuzi rochoso, e presentes predominantemente em em regiões montanhosas. Felizmente conseguimos receber (leia-se: perceber) algumas indicações e apanhamos o autocarro de volta. Saimos na paragem indicada. O frio roubava todo o espaço de minha mente. Olhei em volta. À medida que o autocarro se afastava e o barulho desvanecia, o silêncio revelava que estavamos literalmente no meio dos montes sem nada à vista. Até que reparo numa fumaça que se elevava por debaixo das árvores mais abaixo um pouco, no meio do monte. Seguimos por um caminho e chegamos ao rotenburo, um onsen ao ar livre.

"Perfeição".
Entrar naquela água super quente depois de tanto frio, no meio de piscinas naturais de pedras no meio da montanha, rodeado de árvores douradas e vermelhas que nos envolviam, e começar a chover pedrinhas de granizo enquanto só me afundo deixando só a cabeça de fora...

Agora chamo-o de saudade.

domingo, 14 de novembro de 2010

Sorriso torcido























Tokyo tem todo um ritmo diferente, que se deixa deixar de ser estranho. Dentro de meu quarto, na zona sul de Tokyo perto do rio Tama, sinto a chuva de ontem que ainda persiste em se fazer sentir.
Saio.
Sigo seguindo pela noite a sensação surda mas presente das batidas do coração de Tokyo que ressoam em mim; uma reverberação que serve de indício para um espaço dentro de mim que permite esse eco.

Estou num comboio, num comboio como qualquer outro, num comboio que me parece sempre o mesmo, não sei bem porquê. Mas quando, por cansaço, minha fronte encontra o frio do vidro da janela vejo suas veias de luz e cor que parecem acelerar mais e mais e mais, rasgando furiosamente o escuro numa expansão de sua multiplicidade desenfreada. Tanto o algo como o tudo parecem crescer lá fora, pessoas e luz e movimento e som e de repente
apercebo-me.
Que ainda é de dia aqui.

Quando volto e olho através da mesma janela vejo agora as luzes a desaparecerem numa calma serena e maré de silêncio crescente, até que eventualmente me apercebo no escuro que um par de olhos familiares encontra os meus. E a razão para o sorriso torcido que esse alguém exibe para mim é simples: sexta feira tive a minha apresentação final, recebi o certificado dourado e meu último dia de trabalho é na segunda!:D:D:D:D :D e também ouvi finalmente o que secretamente queria ouvir desde que cheguei aqui :D:D
Um enorme factor social é a contemplação da mudança da folhagem, e algumas florestas do Japão estão repletas da Red Mapple, a árvore do Canadá, que faz para espectáculos incríveis que rivalizam em popularidade com as Sakura. Ver uma montanha toda vermelha e laranja tem algo que se diga, mas infelizmente é só mais para a frente que fica totalmente, e como fui ao Mt. Takao ( pertinho da fronteira oeste de Tokyo, da para ver das fotos) semana passada não tava totalmente, mas deu para me fazer juntar aos suspiros de admiração colectivos quando uma chuva dourada de folhas começou a descer por causa de um vento nas árvores que estavam por cima de nós....pff. incrível.
E fui à Torre de Tokyo, 333m. Dá para ver a Rainbow Brigde ao fundo à esquerda.

Lembrei de outras 3 coisas engraçadas que vi por cá:

Bastões para cegos com uma rodinha na ponta (genial....)


Limpadores de óculos tipo recipiente com água ultrasónicos na rua em frente a lojas para as pessoas mergulharem lá pa limpar


Temporizadores para os semáforos dos peões. tem umas barrinhas de luz que vão acabando ao lado dos símbolos de andar e nao andar, assim a pessoa não tem que ficar desesperada a pensar " mas afinal quanto tempo já passou?" ou "Acho que esta (insira palavra aqui) está estragada..." *vá lá, quem nunca pensou isto? :D*




sábado, 23 de outubro de 2010

A vida ao minuto







Umas de muitas das coisas que adoro aqui é o sistema de transportes públicos, em particular os comboios e seus reconfortantes horários... Isto porque a precisão e fidelidade de ter um comboio de 5 em 5 minutos que respeita o horário estabelecido não pode ser fácil de conseguir, ou sequer explicar a alguém como nós, tão habituados a ponteiros de relógio portugueses, tão...largos na ponta. E quando digo que os comboios são precisos aqui, digo-o porque se o ecrã diz 14h:23m, é porque às 14:24:10s o comboio já não está lá. Por vezes penso que se estivesse de costas para os trilhos no sítio de onde uma das portas do comboio estaria, a olhar para o relógio e de ouvidos tapados e desse um passo para trás na hora certa, entraria no comboio. Hmm... Até para descrever esse passo para trás por hábito me refiro a uma noção como "hora certa", tão portuguesa a expressão; quando todo mundo se refere a um momento temporal como esse com uma expressão diferente como "tempo". Talvez seja um reflexo cultural, perguntar pelas "horas" em vez do "tempo", porque para nós pode não ter grande importância e como tal a informação permite-se ter uma tolerância (leia-se: imprecisão) maior.
Ahh; Vivia e descrevia meu tempo com enormes incrementos, mas aqui a resolução é muito maior, e a certeza minuta que permite é seguramente uma metáfora secreta da sociedade presente neste lugar; ao ritmo que os eventos decorrem aqui é uma necessidade, mas eu felizmente posso aprecia-la como um luxo ;P
Todos os dias descubro algo tão fixe que penso imediatamente que tenho que partilhar com alguém, mas acabo não me lembrando de nada depois. Daí que decidi escrever algumas das pequeninas coisas que tornam os meus dias tão interessantes

1-Batatas fritas com pedacinhos de queijo.
2-1,000,000,000,000 de diferentes tipos de bolinhos e comidas deliciosas, de Mellon-Pan a Yakiniku, (churrasco japonês)
3-Escovas de dentes descartáveis já vêm com pasta posta, só acrescentar água

4-Código que tenho de por para entrar no edifício muda sempre aleatoriamente a posição dos números no visor

5-O quadro branco de escrever da sala onde tenho as reuniões de sexta feira tem um scanner e impressora para imprimir o que foi lá escrito

6-Num centro comercial, fui pedir a comida e deram-me um relógio. Quando a comida estiver pronto aquilo começa a apitar para a pessoa ir la buscar

7- As sanitas. se não sabem porquÊ, não vou explicar

8-MacDonalds tem novos hamburguers so para aqui

9-No supermercado muitas coisas vendem recargas, em vez de embalagens novas: de tudo desde sabão, molhos, tudo leva recargas mais baratas do que a embalagem.

10- o porta-chaves com um led em formato de ursinho que veio no meu cafe nao é apenas uma lanterninha, mas a luz tem na lente gravada uma mensagem que aparece na projecção.

11- Na maior parte dos sitios, quando chove metem a porta um dispensor de saquinhos de plastico transparentes para as pessoas porem os guarda chuvas molhados la dentro para nao molharem o interior. A saida tem um sitio para os por de volta
12- chicletes embrulhados individualemtne com instrucções sobre como mascar pastilha elastica...talk about a nanny state...

13- ESpecial: não e propriamente um pormenor, mas os Onsen, banhos termais japoneses são algo que devíamos importar, em especial o "banho eléctrico". (sim, é verdade.)
e isto foi so o que lembrei de repente. nas fotos vai uma num recanto na cantina do 3 andar onde tive a minha festa de boas vindas, da pa ver um chefe a ser servido, e sim, diz mesmo galo de barcelos la escrito

sábado, 25 de setembro de 2010

Entre a Chuva e a Areia































A chuva que cai exerce um peso tremendo em mim. Afunda-me cada vez mais em minha cama. É-me difícil acordar de meio de um sonho, debaixo daquele peso. Todos passamos por isso, aqueles instantes de desorientação em que fazemos o norte de sul e o cima de baixo. Ainda me encontro lá perdido: num qualquer pensamento, virando para vislumbrar algo a meu lado, correndo para algures sem saber porquê, cortado a meio de uma frase que se me esquece mesmo antes de a acabar de pronunciar. Esqueci do que era, para onde ia e que dizia. Esqueço. Esqueço de onde estava. Aos poucos as acções mecânicas angulares tomam conta de meus membros e levanto-me, mas ainda estou na cama a sonhar. Depressa o sonho escorre de mim como areia entre os dedos de uma mão que se abre devagar.


Acredito que todos sintam o mesmo inevitávelmente. A diferença está no quão pesada sentimos a chuva e no quão molhada ela torna a areia que se agarra a nós. Não. Na verdade sou eu que a agarro, e tudo o que toco aqui onde me encontro parece ser palácios feitos dela.


Aprecio a ironia desta alegoria, que dita um homem que vagueie no deserto um sonhador.



Sei que o que vos escrevo pode ser confuso porque o ritmo e entoação da melodia padronizada em palavras que quero que oiçam é muito diferente de vez para vez e sei perfeitamente as diferenças entre o eco que meus pensamentos me devolvem através da acústica nos salões de minha mente cria pormenores entre quem escreve e quem o lê. Devo perceber que por detrás do espelho para qual falo muitas vezes se encontra alguém tentando discernir as palavras que escrevo no vapor.

Portanto acreditem que sei, que o que escrevo soa melhor para mim que para vocês.


Tenho ficado por Tokyo por estes fds, por isso nao tenho grandes fotos novas, daí que vou aproveitar para por mais algumas de onde tive que queria te mostrar. Ah, algumas das fotos nao sao minhas mas do pessoal que tá por cá comigo, nao reclamem de direitos de autor pff. :)



Até.









domingo, 12 de setembro de 2010

Todos os comboios são locais.






















Quando pesquisei por hikawa camping no google, esperava ter alguma ideia de onde era o ver mais ou menos como seria o local onde íamos acampar este fim de semana. Nunca esperei ir bater a algo como GayJapanNews, que iria ter um acampamento no mesmo sítio...mas no fim de semana seguinte! Passou perto essa...

Okutama é uma imensidão de verdes montes que se erguem como incisivos que querem rasgar um céu azul. Perdida a umas 2h ao sudoeste de Tokyo. A distância não é assim tanta, mas a zona
é algo isolada, e o comboios são um pouco antigos e vagarosos, bruscos nos arranques e ruidosos nas paragens. Não existem expressos aqui, o que quer dizer que todos os comboios param em todas as paragens: "locais", dizem. E é exactamente assim que quero que minha "viagem de comboio" seja: local. Quero ver o local, onde se encontra e o porquê da graça que exibe. É isto que quero do Japão: locais, não expressos pragmáticos e resumidos a factos. Quero avistar mais e mais longe estes locais.
E que locais esses.
Partimos de manhã cedo, o que tornou o embalo do comboio ainda mais entorpededor. No último comboio, sabendo que a viagem ia demorar mais de uma hora, acabei encostando a cabeça uns momentos. Saímos do panorama citadino carregado de Tokyo em pouco tempo, e o verde começou a se fazer ver, subtilmente. Mais plantas, árvores, jardins, casas mais pequenas até que entrei num túnel e não abri os olhos ao sair. Baixando com a cabeça cada vez mais até que eventualmente o balanço fez com que abrisse os olhos. Todo o resquício de Tokyo que ainda se fazia sentir tinha desaparecido. Estava perdido nos montes verdes, sem ideia de como cheguei aqui. Senti como se tivéssemos passado por um túnel de centenas de quilómetros e tivesse dormido 2 horas.
A cidade rural típica japonesa perdida nas montanhas era algo que ainda não tinha tido a oportunidade de ver. Tão calma e isolada, tão dentro de florestas densas que tenho sempre a sensação de como teria sido crescer num sítio desses. Muitas vezes fantasio essa questão, em sítios particularmente interessantes. Correr floresta dentro e perder-me de tudo saltando através do chão irregular, colocar a mão no vidro de uma janela entre a neve a cair e um calor ao redor.
Íamos acampar junto ao riacho que corre por lá, mesmo fora da cidade, numa espécie de vale de rocha e musgo. Claro que quando digo acampar quero dizer em cabanas de madeira que povoam a floresta junto à margem do rio, alugadas às pessoas. De partir melancias com espadas de madeira ao churrasco típico japonês (yakiniku...meu deus tao delicioso!), foi um dia cansativo para mim e para as outras 96 pessoas que foram connosco. Tanta comida, tanta coisa para lavar e fazer e nem atrasou 5 minutos. Devo dizer que dormir de noite num tatami é um luxo no que respeita a acampamento.
Na manhã seguinte tinhamos de fazer o checkout até às 9, o que implicava acordar para o pequeno almoço às 7 da manhã. Sopa. Imediatamente pensei que deveria ter comido ainda mais no churrasco delicioso de ontem. Tenho de aprender a fazer (ou identificar no supermercado) aquele molho delicioso de yakiniku.
O comboio de volta, ainda mais vagaroso fazia o so forte da manhã parecer tal noite tão escura. Tão escura era essa noite em meu sono que fui novamente incapaz de encontrar o limite entre Tokyo e os montes verdes de Okutama.
Voltei ainda agora para casa, onde vos escrevo, depois de algumas horas de molho na banheira.

Ah, pois é, esqueci de vos dizer. Aparentemente as personagens do GayJapan foram este fim de semana lá também. Só que eram da divisão feminina...

FOTOS:
a última foi em Miyajima, quando formos a Hiroshima,


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Alusões & Olhares























"Se alguém tiver uma vassoura de pernas para o ar, quer dizer que não és bem-vindo. Se te oferecerem um tipo de arroz com chá verde, quer dizer vai te embora imediatamente".
Realmente, Kyoto faz jus à sua reputação de ser o lugar onde as pessoas mais escondem os seus sentimentos. Claro que fiquei apreensivo, receoso de ofender alguém por uma ou outra atitude ignorante, mas na verdade o pouco tempo de que estive lá deu para perceber que o fenómeno de civismo japonês também se propaga até aqui.
Kyoto é uma cidade bastante visitada por turistas daí ser normal tropeçar em conversas em espanhol, francês, algum português-com-açúcar e mandarim, nos locais à sombra perto das máquinas de venda de gelados ou refrigerantes onde se tenta em vão escapar do calor de 37 graus de elevada humidade. Neste ponto devo dizer que em Tokyo, se andar 120s numa qualquer direcção encontro sempre máquinas de vendas automáticas, e Kyoto também respeita esse pequeno adágio, não fosse também uma das principais cidades do Japão.
Mas é diferente.
Pergunto-me que direito tenho eu de comparar Kyoto com Tokyo, por exemplo, como se eu conhecesse alguma coisa de Tokyo realmente. Mas não consigo escapar de cometer essa presunção e manter Tokyo como um ponto de referência debaixo de uma sombra distante na imagem que vejo.
Kyoto é orgulhosa. Silenciosamente orgulhosa. Como alguém que se conhece e depois de alguma troca de palavras ou qualquer interacção se fica com a impressão de que existe mais para além da superficialidade cordial que a pessoa mostra. Acho que todos já tivemos esta sensação, de nos apercebermos de alguém assim, algo antigo e especial que algumas pessoas reflectem debaixo de uma certa luz. Fenómeno raro, facilmente passa despercebido ou por vezes preferimos ignorar por nos fazer enfrentar a nossa própria mediocridade.
Kyoto dá-nos esse olhar de "sei algo que vocês não sabem" com sorriso torcido, como que a dizer que a perca é nossa se não quisermos saber. Dura e fechada de longe: nada mais longe da verdade.
Kyoto é gentil.
Orgulhosa e gentil. De facto, tão é assim que se orgulha de ser gentil. Pode ser difícil de entender, mas quanto mais temos algo em que nos orgulhar, menos somos algo de que nos podemos orgulhar. Mas Kyoto é especial o suficiente para saber ser especial; ter algo que se orgulhar e agir com humildade e gentileza. Estes dois aspectos são tão, tão raros e bonitos que surpassam tudo o resto. Pode ser o feito mais incrível, se não for tratado com humildade e gentileza irá sujar, e passar despercebido pelo mundo.
Acho que as pessoas aqui sabem disto, muito mais que eu, e perpetuam este sentimento. É por isso que por vezes me sinto deslumbrado com todas as coisas maravilhosas que vejo aqui e as pessoas são das mais simpáticas que já conheci. Uma vez disseram-me que era o espírito do bushido, o código de vida morte e honra pelo qual os samurais se regiam que continua a ser aplicado no respeito ao próximo.

Kyoto é, se algo, memorável. Quase que pavimentada com todo tipo de templos, um mais esplendoroso que o outro, está mais próxima de um passado cultural ligado com crenças budistas e xintoístas. Existem tantos protocolos diferentes para se comportar de templo para templo que por vezes penso que é só para gozar com os turistas: toca o sino, bate palmas, levanta o peso, anda de olhos fechados, bebe água das três fontes, é tudo tão diferente e novo que é difícil manter em mente que aquilo são as crenças de milhões de pessoas e não superstições.

Ah, e já agora, é mesmo ouro!
P.S. comi as melhores batatas fritas de sempre: o hamburgueer era bom, mas as batatas, pff... Daa pa escolher um de 7 sabores para as batatas, depois tinham mais outros molhos que podias tirar de graça pa pores nelas...so nao pus a foto pa nao fazer inveja :P
Fotos:
1-Kinkakuhi, o templo dourado
2-idem
3-templo zen, jardim de rocha
4-não me lembro do nome do local...
5- uma montanha para passear que tem 1300 destes portões. enorme. (perdi.me e tudo...)
6-kyomizu dera, entrada
7-Kyomizudera, parte de cima, depois da entrada























domingo, 15 de agosto de 2010

8:15
































É incrível que ainda possamos ser mantidos assim tão acordados à noite por um momento que ocorreu à mais de 65 anos. A aura tão pacífica de Miyajima, ilha da Itsukushima Shrine, com seus os portões vermelhos dentro de água, é tão extensa que somos abafados por sua tranquilidade muito antes de lá dar-mos um primeiro passo. A vegetação extensa e altamente preservada em redor e a presença do mar são claros indícios de uma comunhão com a natureza incrivelmente cuidada, mas nunca esperei que os veados passeassem tão livremente dentro da cidade, abordando as pessoas à procura de comida ou mimos; aparentemente com uma predilecção por papel que leva a situações hilariantes com turistas distraidos segurando mapas ou nos bolsos de trás.

Nem um calor impiedoso nos impediu de explorar uma das ditas "três vistas do Japão" e suas delícias: ostras grelhadas, uma espécie de enguia em molho agridoce e doces fritos por fora ainda me causam fome (leia-se gula) ao recordar.
Hiroshima é uma cidade maior do que esperava. Dentro das enormes avenidas que a atravessam sinto que tenho mais espaço para respirar do que em Tokyo, que aqui me parece autenticamente claustrofóbico. A grande concentração de pessoas encontra-se, como seria de esperar, nos grandes monumentos e museus dedicados à memória daquele dia.

"6 de Agosto de 1945. O céu estava claro, sem uma nuvem à vista". Todos os relatos que vi e ouvi de sobreviventes da bomba atómica lançada aqui começam assim, como que para enfatizar que mesmo um inferno não demora mais de um momento para surgir.

"Estava sentado no banco de um jardim e uma libelinha pousou ao lado. Estendi minha mão para alcançá-la, e então..."

Estas palavras encontram-se na entrada do grande museu memorial pela paz, perto de um dos relógios parados às oite e quinze da manhã, momento que a bomba detonou em exposição. O museu é perto do monumento homenagiando Sadako Sasaki, a rapariga que tornou origami um símbolo da paz e morreu de leucemia devido a efeitos que ainda persistiam da radiação da bomba.

Hiroshima é uma cidade dedicada à paz, apesar da memória da guerra presente.
Tivemos a imensa fortuna de presenciar duas palestras: uma de Steve Leeper, um autêntico cruzado mundial pela não proliferação e desmilitarização de armas nucleares e outra de uma sobrevivente da bomba atómica. A primeira confronta-nos com a situação global, de que como apenas uma mera dúzia de bombas de hidrogénio lançadas pode causar efeitos devastadores globais, mesmo se não for um inverno nuclear é o bastante para destruir completamente larga parte dos cestos de pão do planeta como Canada e partes da Sibéria. Diz-nos a más e as boas notícias, com a esperança renovada pela corrente administração americana, acordos conseguidos no médio oriente com o Egipto a liderar um pedido de uma zona livre de armamento nuclear, e como a nossa pequena parte pode um dia importar o bastante. Traz-nos para mais perto da fonte de luz, e sinto-me crescer por minha sombra no mundo atrás, como se pudesse agora agarrá-lo com minha mão. No fundo, a responsabilidade perante tudo faz-me parecer, sentir maior no mundo.

Na segunda palestra, no dia seguinte fui pego de surpresa. Talvez devido à vitalidade e professionalismo que a senhora aparentava disfarçava o horror que viríamos a escutar. Devo dizer que o próprio Dante Alighieri não teria conseguido retratar um horror de um inferno assim mesmo que tivesse cem anos para escrever sua obra. Uma coisa é entender a ciência por trás, uma reacção em cadeia, libertação de energia, estatísticas, factos frios, o número de mortos, as consequências da contaminação da radiação...Outra é ouvir da boca de alguém como um céu azul se tornou negro num instante, alimentado por fumos tão negros de incêndios que deflagraram num segundo. Que caia chuva negra espessa. Que as pessoas que não forma mortas pelo impacto vagueavam, sem se perceber se eram homens ou mulheres, nus, com a pele de seus braços suspensas pelas unhas e cotovelos. Que gritavam por água. "Água, por favor", diziam, mas o governo dizia que eles morreriam do choque se bebessem, por isso recusavam. que os viam morrer à mesma, cobertos de queimaduras, atirados ao rio, de cabeça baixa. Milhares de cabeças baixas à beira rio, de pessoas que tinham ido beber água ao rio. Que ainda se lembrava da sensação escorregadia de pisar essas camadas de pele que tinham se soltado dos corpos como lama por uma esponja com água. Do cheiro. O terrível cheiro da morte. Dos insectos que todos os dia apareciam nas suas feridas. E da forma como o seu pai a tinha encontrado, por acaso. E do abraço que lhe dera. Um abraço que viria depois de ter passado dias. esperando encontrar sua filha viva num inferno. E de como esse abraço viria a tomar a sua vida um mês depois, pois o pai que tão desesperadamente saiu de casa para procurar sua filha tinha sido demasiado exposto por ter passado os dias a virar os corpos mortos, procurando o rosto de sua filha. Esta senhora, ela própria vítima recuperada de um cancro, felizmente é muito mais energética do que possam pensar, apesar de ter conseguido ter dois filhos, um com problemas mentais e outra também ela vítima de um cancro. Dizem que só daqui a cem anos poderemos realmente ver as consequências dos efeitos de toda a radiação na população.

Após o relato, uma colega japonesa perguntou se a senhora sobrevivente queria deixar alguma mensagem às futuras mentes cientificas ali presentes. Foi a primeira vez que se emocionou ao ponto de deixar tremer a sua voz. Que aprendam algo com o horror cometido e que se lembrem sempre dele, é o suficiente. Que saibam que existem coisas que são imperdoáveis entre seres humanos.

A verdade é que após a rendição da Alemanha e Itália,o Japão já tinha acordado um rendição condicional, garantindo apenas a salvaguarda do imperador. Essa rendição foi recusada, e pouco tempo depois, sem aviso prévio, foram lançadas as bombas atómicas. É engraçado que os japoneses jovens com quem falo sobre isso tentam justificar um pouco o uso das bombas contra o Japão, dizendo que o Japão é uma vítima mas também agressor contra outros países asiáticos e os Estados Unidos. Documentos oficiais e réplicas em exposição no museu mostravam o secretário geral dos Estados Unidos dizendo que estava algo receoso que devido ao facto da "força aerea possa ter arrasado o Japão completamente o Japão ao ponto de não restar um local com o cenário de fundo adequado à demonstração da força total da bomba", ou que os "tremendos custos do desenvolvimento da bomba não seriam justificados".

É difícil explicar o que senti durante tudo isto, mas é fácil de imaginar e pelo menos fazer uma ideia. A guerra é um conceito extremamente difícil para a maior parte de nós, e estar assim tão perto das grandes cicatrizes mundiais que temos enquanto espécie humana é demasiado para conter.
Surpassa-me, transcende-me tudo isto. É uma tempestade negra em meu redor enquanto tento conter o máximo de água em minhas mãos, olhando o céu acima.
Fotos:
1- Relógio que parou no instante em que a bomba detonou
2- 1000 gruas de origami que todos fizemos para colocar junto ao monumento de Sadako Sasaki
3- Monumento de Sadako Sasaki
4-A cúpula da bomba atómica, Genbakudan dome mae, um célebre edifício que sobreviveu parcialmente
5-O portão vermelho no mar junto ao templo em Miyajima
6 - Vista de parte da cidade de Miyajima, oposto ao mar
7- Um dos muitos amigáveis bambis que circulam por lá.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Mago de Oz
























Por vezes penso em o quão isolado realmente estou de onde estava. Agora preciso de fazer um esforço para encontrar notícias do Portugal de onde parti. É-me difícil medir a distância agora, até onde estou. Algures perto de nada. Mas é tudo tão vívido agora que a realidade se torna mais fácil de aceitar.

A verdade porém, é menos satisfatória: ainda me restam para perceber muitos dos axiomas e dogmas pelos quais as pessoas aqui abidem. A boa natureza das pessoas aqui parece quase surreal, espelhada de contos de fadas ou histórias fantásticas. "Be good and you will be lonesome". Esta simples expressão de Twain ecoa ressonando com meu cinismo interior, incitando-me a descobrir a razão desta aparente corrente gigantesca de civismo que aqui se assenta.

É verdade que a cultura única do Japão e o seu isolamento do mundo durante largos períodos da sua história podem ser responsáveis por parte da resposta, bem como a excelentes condições de vida que aqui gozam, mas isso seria apenas verdade se o homem fosse considerado nativamente bom, onde então este lugar não seria nada além de um éden perdido na cultura de aldeia-global presente, uma ilha dentro do do fenómeno de globalização actual que mantém laços económicos e sociais que a impedem de flutuar para além.

Por vezes penso que as atitudes samaritanas que testemunho são por vezes determinadas por padrões de condicionamento de comportamento social mais do que os ideais de morais modernas intrinsecamente tecidos dentro da existência pessoal individual.


Que seja então.

Deveria mesmo questionar seus actos? Não deveria estar radiante de que simplesmente exista um fabulado "bastião de esperança" sem que perceba as suas razões de ser? Porque quereria correr o risco de descobrir algo que traga todo este lugar para um nível abaixo, mais perto do resto do mundo, crescentemente incorrecto. Lembro-me da análise de Brown à figura de Deus de Kierkegard, e como este utilizava o conto do Mago de Oz, em como o Leão, o Homem de Lata e o Espantalho tinham mudado a sua maneira de ser por acreditarem no Mago de Oz. Não poderão os fins justificar finalmente os meios?

E mesmo que este modelo se aplique, quem é este Mago de Oz que os inspira a agir assim? Sempre acreditei que as pessoas são iguais em parte igual à sua unidade menos a parcela de influência genética, claro, mas parece haver outros factores a se pronunciarem.

Mais importante que tudo isto é a razão pela qual quero saber tudo isto; outra pergunta no meio de tantas, mas com outra relevância. Será possível recriar os resultados? Em outro local, reproduzir estas circunstâncias? Poderemos nós enquanto sociedade no futuro engendrar estratagemas sociais além de um grupo de valores ditos pós-cristãos? Será possível ou ético, mudar ou influenciar, as consciências sociais para um ganho mundial comum?

"Não sei, confesso, e cansado deixo de pensar."
Fotos:
1 e 2 - Daibutsu, em Kamakura;
3- Templo Zuisenji templo em um jardim em Kamakura,
4- Tsurugaoka Hachimangu, templo
5 e 6 - Dois das centenas de quadros presentes no jardins à volta do templo; feitos e assinados todos por artistas famosos
7 - Barris de Sake armazenados para um festival que se aproxima, para serem abençoados junto ao templo.
8-- JAXA Tsukuba Space Center, centro de exposições