sábado, 25 de setembro de 2010

Entre a Chuva e a Areia































A chuva que cai exerce um peso tremendo em mim. Afunda-me cada vez mais em minha cama. É-me difícil acordar de meio de um sonho, debaixo daquele peso. Todos passamos por isso, aqueles instantes de desorientação em que fazemos o norte de sul e o cima de baixo. Ainda me encontro lá perdido: num qualquer pensamento, virando para vislumbrar algo a meu lado, correndo para algures sem saber porquê, cortado a meio de uma frase que se me esquece mesmo antes de a acabar de pronunciar. Esqueci do que era, para onde ia e que dizia. Esqueço. Esqueço de onde estava. Aos poucos as acções mecânicas angulares tomam conta de meus membros e levanto-me, mas ainda estou na cama a sonhar. Depressa o sonho escorre de mim como areia entre os dedos de uma mão que se abre devagar.


Acredito que todos sintam o mesmo inevitávelmente. A diferença está no quão pesada sentimos a chuva e no quão molhada ela torna a areia que se agarra a nós. Não. Na verdade sou eu que a agarro, e tudo o que toco aqui onde me encontro parece ser palácios feitos dela.


Aprecio a ironia desta alegoria, que dita um homem que vagueie no deserto um sonhador.



Sei que o que vos escrevo pode ser confuso porque o ritmo e entoação da melodia padronizada em palavras que quero que oiçam é muito diferente de vez para vez e sei perfeitamente as diferenças entre o eco que meus pensamentos me devolvem através da acústica nos salões de minha mente cria pormenores entre quem escreve e quem o lê. Devo perceber que por detrás do espelho para qual falo muitas vezes se encontra alguém tentando discernir as palavras que escrevo no vapor.

Portanto acreditem que sei, que o que escrevo soa melhor para mim que para vocês.


Tenho ficado por Tokyo por estes fds, por isso nao tenho grandes fotos novas, daí que vou aproveitar para por mais algumas de onde tive que queria te mostrar. Ah, algumas das fotos nao sao minhas mas do pessoal que tá por cá comigo, nao reclamem de direitos de autor pff. :)



Até.









domingo, 12 de setembro de 2010

Todos os comboios são locais.






















Quando pesquisei por hikawa camping no google, esperava ter alguma ideia de onde era o ver mais ou menos como seria o local onde íamos acampar este fim de semana. Nunca esperei ir bater a algo como GayJapanNews, que iria ter um acampamento no mesmo sítio...mas no fim de semana seguinte! Passou perto essa...

Okutama é uma imensidão de verdes montes que se erguem como incisivos que querem rasgar um céu azul. Perdida a umas 2h ao sudoeste de Tokyo. A distância não é assim tanta, mas a zona
é algo isolada, e o comboios são um pouco antigos e vagarosos, bruscos nos arranques e ruidosos nas paragens. Não existem expressos aqui, o que quer dizer que todos os comboios param em todas as paragens: "locais", dizem. E é exactamente assim que quero que minha "viagem de comboio" seja: local. Quero ver o local, onde se encontra e o porquê da graça que exibe. É isto que quero do Japão: locais, não expressos pragmáticos e resumidos a factos. Quero avistar mais e mais longe estes locais.
E que locais esses.
Partimos de manhã cedo, o que tornou o embalo do comboio ainda mais entorpededor. No último comboio, sabendo que a viagem ia demorar mais de uma hora, acabei encostando a cabeça uns momentos. Saímos do panorama citadino carregado de Tokyo em pouco tempo, e o verde começou a se fazer ver, subtilmente. Mais plantas, árvores, jardins, casas mais pequenas até que entrei num túnel e não abri os olhos ao sair. Baixando com a cabeça cada vez mais até que eventualmente o balanço fez com que abrisse os olhos. Todo o resquício de Tokyo que ainda se fazia sentir tinha desaparecido. Estava perdido nos montes verdes, sem ideia de como cheguei aqui. Senti como se tivéssemos passado por um túnel de centenas de quilómetros e tivesse dormido 2 horas.
A cidade rural típica japonesa perdida nas montanhas era algo que ainda não tinha tido a oportunidade de ver. Tão calma e isolada, tão dentro de florestas densas que tenho sempre a sensação de como teria sido crescer num sítio desses. Muitas vezes fantasio essa questão, em sítios particularmente interessantes. Correr floresta dentro e perder-me de tudo saltando através do chão irregular, colocar a mão no vidro de uma janela entre a neve a cair e um calor ao redor.
Íamos acampar junto ao riacho que corre por lá, mesmo fora da cidade, numa espécie de vale de rocha e musgo. Claro que quando digo acampar quero dizer em cabanas de madeira que povoam a floresta junto à margem do rio, alugadas às pessoas. De partir melancias com espadas de madeira ao churrasco típico japonês (yakiniku...meu deus tao delicioso!), foi um dia cansativo para mim e para as outras 96 pessoas que foram connosco. Tanta comida, tanta coisa para lavar e fazer e nem atrasou 5 minutos. Devo dizer que dormir de noite num tatami é um luxo no que respeita a acampamento.
Na manhã seguinte tinhamos de fazer o checkout até às 9, o que implicava acordar para o pequeno almoço às 7 da manhã. Sopa. Imediatamente pensei que deveria ter comido ainda mais no churrasco delicioso de ontem. Tenho de aprender a fazer (ou identificar no supermercado) aquele molho delicioso de yakiniku.
O comboio de volta, ainda mais vagaroso fazia o so forte da manhã parecer tal noite tão escura. Tão escura era essa noite em meu sono que fui novamente incapaz de encontrar o limite entre Tokyo e os montes verdes de Okutama.
Voltei ainda agora para casa, onde vos escrevo, depois de algumas horas de molho na banheira.

Ah, pois é, esqueci de vos dizer. Aparentemente as personagens do GayJapan foram este fim de semana lá também. Só que eram da divisão feminina...

FOTOS:
a última foi em Miyajima, quando formos a Hiroshima,


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Alusões & Olhares























"Se alguém tiver uma vassoura de pernas para o ar, quer dizer que não és bem-vindo. Se te oferecerem um tipo de arroz com chá verde, quer dizer vai te embora imediatamente".
Realmente, Kyoto faz jus à sua reputação de ser o lugar onde as pessoas mais escondem os seus sentimentos. Claro que fiquei apreensivo, receoso de ofender alguém por uma ou outra atitude ignorante, mas na verdade o pouco tempo de que estive lá deu para perceber que o fenómeno de civismo japonês também se propaga até aqui.
Kyoto é uma cidade bastante visitada por turistas daí ser normal tropeçar em conversas em espanhol, francês, algum português-com-açúcar e mandarim, nos locais à sombra perto das máquinas de venda de gelados ou refrigerantes onde se tenta em vão escapar do calor de 37 graus de elevada humidade. Neste ponto devo dizer que em Tokyo, se andar 120s numa qualquer direcção encontro sempre máquinas de vendas automáticas, e Kyoto também respeita esse pequeno adágio, não fosse também uma das principais cidades do Japão.
Mas é diferente.
Pergunto-me que direito tenho eu de comparar Kyoto com Tokyo, por exemplo, como se eu conhecesse alguma coisa de Tokyo realmente. Mas não consigo escapar de cometer essa presunção e manter Tokyo como um ponto de referência debaixo de uma sombra distante na imagem que vejo.
Kyoto é orgulhosa. Silenciosamente orgulhosa. Como alguém que se conhece e depois de alguma troca de palavras ou qualquer interacção se fica com a impressão de que existe mais para além da superficialidade cordial que a pessoa mostra. Acho que todos já tivemos esta sensação, de nos apercebermos de alguém assim, algo antigo e especial que algumas pessoas reflectem debaixo de uma certa luz. Fenómeno raro, facilmente passa despercebido ou por vezes preferimos ignorar por nos fazer enfrentar a nossa própria mediocridade.
Kyoto dá-nos esse olhar de "sei algo que vocês não sabem" com sorriso torcido, como que a dizer que a perca é nossa se não quisermos saber. Dura e fechada de longe: nada mais longe da verdade.
Kyoto é gentil.
Orgulhosa e gentil. De facto, tão é assim que se orgulha de ser gentil. Pode ser difícil de entender, mas quanto mais temos algo em que nos orgulhar, menos somos algo de que nos podemos orgulhar. Mas Kyoto é especial o suficiente para saber ser especial; ter algo que se orgulhar e agir com humildade e gentileza. Estes dois aspectos são tão, tão raros e bonitos que surpassam tudo o resto. Pode ser o feito mais incrível, se não for tratado com humildade e gentileza irá sujar, e passar despercebido pelo mundo.
Acho que as pessoas aqui sabem disto, muito mais que eu, e perpetuam este sentimento. É por isso que por vezes me sinto deslumbrado com todas as coisas maravilhosas que vejo aqui e as pessoas são das mais simpáticas que já conheci. Uma vez disseram-me que era o espírito do bushido, o código de vida morte e honra pelo qual os samurais se regiam que continua a ser aplicado no respeito ao próximo.

Kyoto é, se algo, memorável. Quase que pavimentada com todo tipo de templos, um mais esplendoroso que o outro, está mais próxima de um passado cultural ligado com crenças budistas e xintoístas. Existem tantos protocolos diferentes para se comportar de templo para templo que por vezes penso que é só para gozar com os turistas: toca o sino, bate palmas, levanta o peso, anda de olhos fechados, bebe água das três fontes, é tudo tão diferente e novo que é difícil manter em mente que aquilo são as crenças de milhões de pessoas e não superstições.

Ah, e já agora, é mesmo ouro!
P.S. comi as melhores batatas fritas de sempre: o hamburgueer era bom, mas as batatas, pff... Daa pa escolher um de 7 sabores para as batatas, depois tinham mais outros molhos que podias tirar de graça pa pores nelas...so nao pus a foto pa nao fazer inveja :P
Fotos:
1-Kinkakuhi, o templo dourado
2-idem
3-templo zen, jardim de rocha
4-não me lembro do nome do local...
5- uma montanha para passear que tem 1300 destes portões. enorme. (perdi.me e tudo...)
6-kyomizu dera, entrada
7-Kyomizudera, parte de cima, depois da entrada